Polizieschi, Poliziesco ou Poliziottesco são denominações comuns de um gênero cinematográfico estritamente italiano por natureza - um meio-termo contemporâneo entre 2 outros gigantes engendrados na Itália: o Spaguetti-Western (Faroeste Italiano) e o Giallo (Thriller Policial Italiano).
Reflexo temporal de uma Itália mergulhada em crise econômica, política e social com altos índices de desemprego, pobreza e insegurança pública, retratou como nunca as turbulências de uma nação amedrontada por atos selvagens de organizações terroristas revolucionárias (dentre elas as terríveis Brigadas Vermelhas), atentados políticos entre membros de partidos opostos, violentos assaltos contra instituições financeiras, extorsões mediante seqüestros de membros da alta sociedade, guerras entre gangues mafiosas rivais pelo controle do tráfico e contrabando, casos de corrupção na política e na polícia estatal, etc.
Com tons críticos e amargos de denúncia, corroborou com o senso comum da sociedade italiana e sua ânsia desenfreada por justiça. Mitificou a figura do policial como júri e carrasco - um herói acima do bem e do mal, livre de qualquer senso moral que o colocasse como uma simples marionete das ordens do poder estabelecido. Fez de um mundo sem leis a morada de criminosos sádicos que matam por dinheiro, prazer e ignorância. Mostrou a realidade por detrás dos bastidores políticos regados a interesses mesquinhos, corruptos e iminentes à elite que governa um mundo destroçado pelo descaso.
Cinematograficamente falando, tem suas origens com a decadência do Spaguetti-Western – gênero este que se firmou como sucesso desde o final da primeira metade dos anos 60 e com o sucesso de produções americanas como Bullitt (Bullitt/68), Operação França (The French Connection/71), O Perseguidor Implacável (Dirty Harry/71) e O Poderoso Chefão (The Godfather/72). Produções italianas como Gangster´s Law (La legge dei gangsters/68), The Violent Four (Banditi a Milano/68) e Investigation of a Citizen Above Suspicion (Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto/70) também ajudaram a impulsionar o interesse do público pelo gênero, principalmente depois que este último ganhou o título de Melhor Filme Estrangeiro no Festival de Cannes.
Depois do estrondoso sucesso americano dos amargos Sérpico (Serpico/73) e Desejo de Matar (Death Wish/74) o gênero passou de coadjuvante a protagonista com cerca de aproximadas 300 produções impetradas entre o começo dos anos 70 e a primeira metade dos anos 80, concorrendo a um lugar ao sol com o Giallo (em alta) e os Spaguetti-Western (em baixa).
Do Spaguetti-Western o Polizieschi pegou a figura solitária do anti-herói em sua jornada desenfreada por vingança pessoal, substituindo sua montaria (o cavalo) por veículos automotivos em alta velocidade e não raras vezes foi acusado de ser um oportunista e descarado Western urbano e meramente contemporâneo. Do cinema Noir se aproveitou da prática investigativa e da imagem burocrática de uma polícia inerte à legalidade e lentidão de uma justiça atrasada e retrógrada.
Do Giallo trouxe o suspense crescente, a violência gráfica e as reviravoltas (muitas vezes mirabolantes) da narrativa. E por fim do cinema de Ação usou e abusou dos recursos humanos e materiais para engendrar as mais loucas e inimagináveis perseguições automotivas, tiroteios infindáveis, escapadas absurdas e o sabor da caçada humana.Mas não o fez de qualquer forma como um medíocre produto derivativo: utilizou-se de sua gama de qualidades técnicas - o “know how italiano” cinematográfico e se encarregou de caprichar no molho “All´Italiana” com seus zooms exagerados, closes abruptos, sonoplastia estridente, interpretações canhestras quando não caricaturais ao excesso, trilha sonora excessivamente urbana (um mix “camp” de Jazz, Fusion, Funk, Orquestrações à italiana e Rock Progressivo), direção de arte oportunista (estritamente local, regional e com ênfase nas tomadas externas), edição funcional que vez ou outra se aproveitava de “stock footage” de outras películas, fotografia dinâmica e em constante movimento e uma abordagem literalmente machista, sexista, niilista, misantrópica e muitas vezes misógina, autoritária e eloqüentemente truculenta.
Alguns atores vindos do decadente Spaguetti-Western viram no gênero e seu crescente sucesso entre o público a tão sonhada chance de se firmarem novamente como grandes astros do cinema europeu e por isso não é de se estranhar que muitos deles praticamente se tornaram verdadeiros acionistas do cinema Polizieschi italiano: Franco Nero, Fabio Testi, Tomas Milian, Ray Lovelock, Henry Silva, Richard Conte, John Saxon, Luc Merenda, Antonio Sabato, Mario Adorf, Adolfo Celi, Gastone Mochin, Arthur Kennedy, Richard Conte e principalmente Maurizio Merli – um tardio ator quarentão que faria de sua imagem sinônimo absoluto do gênero.
Muitos foram os diretores que se lançaram e se gladiaram com suas câmeras nervosas e suas máquinas em alta velocidade. Em sua maioria eram profissionais com experiência mais do que comprovada, senhores que fizeram a história do cinema italiano com produções que iam do Peplum (Épico) passando pelo Spaguetti (Western), Giallo (Thriller), Mondo (Documentário Sensacionalista), Post-Futuristic Sci-Fi, Drama, Comédias Eróticas ao Horror mais radical, violento e demente.
4 nomes merecem um destaque especial frente ao desempenho e admiração pelo gênero: Fernando Di Leo, Umberto Lenzi, Enzo Girolami Castellari e Stelvio Massi.
Fernando Di Leo além de roteirista de seus próprios filmes deu à luz à uma das mais importantes obras do gênero dos anos 70 – uma corajosa e original trilogia onde Milão era o pano de fundo de uma história regada à guerra de gangues, narcotráfico e “vendetta” pessoal. Milan Calibre 9 (Milano calibro 9/71), The Boss (Ill Boss/72) e Manhunt (La mala ordina/73) foram por excelência os protótipos do cinema Polizieschi, influência esta que transcendeu tempo e espaço ganhando notória atenção quando Quentin Tarantino juntou uma dupla inter-racial de mafiosos em Pulp Fiction (94) – uma nítida referência à parceria "mobster" de Heny Silva (o caucasiano) e Woody Strode (o afro-americano) do filme Manhunt!.
Umberto Lenzi, um diretor muito além de seu tempo por sua vez misturava grafismo nas mortes e ação desenfreada, sempre em narrativas repletas de reviravoltas e com excesso de truculência à enésima potência. São dele obras-primas da Euro-Crime como Gang War in Milan (Milano rovente/72), Almost Human (Milano odia: la polizia non puo sparare/74), Violent Naples (Napoli violenta/76), Assault with a Deadly Weapon (Roma a mano armata/76), The Cynic, The Rat and the Fist (Il cínico, L´infame, Il violento/77), The Siccilian Boss (Da Corleone a Brooklyn/79) dentre tantas outras barbaridades em celulóide. Seja trabalhando com Maurizio Merli seja com Tomas Milian, seus bandidos eram sádicos, cruéis e excessivamente violentos assim como a inevitável repressão por parte da “Polizia”. Amoral também era sua investida contra a incauta sociedade italiana onde não eram poupadas crianças inocentes, casais de idosos, mães de família e a grande elite detentora dos recursos financeiros (banqueiros, industriais, políticos). Foras-da-lei urbanos tão frios e desesperados que comoviam e causavam repúdio ao mesmo tempo.
Já o diretor Enzo Girolami Castellari fazia-se do poder da imagem (em espacial a em “slow motion”) a tônica para fortalecer e ampliar a violência em seus filmes assim como um dia Sam Peckinpah o fez em sua saudosa filmografia. Cercado por uma família de diretores, produtores e atores italianos, Castellari “absorveu” as técnicas da profissão e talhou em seus filmes suas principais características. High Crime (La polizia incrimina, la legge assolve/73), The Anonymous Avenger (Il citadino si ribella/74), The Heroin Busters (La via della droga/77), The Big Racket (Il grande racket/76) e The Day of the Cobra (Il giorno del Cobra/80) são além de suas principais contribuições ao gênero, verdadeiras gemas do cinema de ação e das técnicas da fotografia em movimento com sangue e buracos de balas suficientes para saciar o mais afoito entusiasta de cinema casca-grossa.
Por fim Stelvio Massi, um dos mais prolíferos diretores do Polizieschi. Fez uma quantidade significativa de filmes – nem todos à altura dos grandes clássicos mas ainda sim, regados de toda a extravagância e incoerência política do cinema italiano barra pesada. Ao lado de Maurizio Merli e Tomas Milian transformou o gênero em sinônimo de ação desenfreada, desovando filmes urgentes e em grande escala como Emergency Squad (Squadra volante/74), Destruction Force (La banda del trucido/76), The Last Round (Il conto è chiuso/76), Convoy Busters (Um poliziotto scomodo/78), The Iron Commissioner (Il commissario di ferro/78), Hunted City (Sbirro, la tua legge è lenta... la mia... no!/79), Speed Driver (Speed Driver/80) dentre tantos outros, incluindo aí uma trilogia com o ator Luc Merenda no papel do personagem Mark - O Policial realizada entre 75 e 76. Um diretor de ação por excelência colocou muitas vezes seus protagonistas em cenas de alto risco, captando em suas lentes a dinâmica dos perigos em alta velocidade e das cenas de luta sem dublês.
Outro diretor igualmente importante como Sergio Martino também se fortificaria no cinema policial truculento, realizando películas de ação paralelamente a outras produções que iam do Giallo (The Strange Vice Mrs.Wardh/71, The Case of Scorpion Tale/71, All the Colours of the Dark/72, Torso/73) ao Spaguetti-Western (Mannaja – A Man Called Blade/77). São deles os imbatíveis épicos The Violent Professionals (Milano trema: la polizia vuole giustizia/73), Gambling City (La città gioca d´azzardo/74) e Silent Action (La polizia accusa: Il servizio segreto uccide/74) antes de se aventurar a dirigir (e produzir ao lado do ator, amigo e sócio Cláudio Cassinelli) filmes cada vez mais grosseiros e fantásticos como Mountain of the Cannibal God (La montagna dal dio cannibale/78), Island of the Fishmen (L`isola degli uomini pesci/79), 2019: After the Fall of New York (2019: Dopo la canduta di New York/83) e Hands of Steel (Vendetta dal futuro/86).
Também merecem destaque Marino Girolami (pai de Enzo Castellari) com os misantrópicos e niilistas Violent Roma (Roma violenta/75) e A Special Cop in Action (Italia a mano armata/76) ambos com Maurizio Merli, Stefano Vanzina com From the Police... With Thanks (La polizia ringrazia/71) – um filme sério e amargo de um diretor dedicado às comédias napolitanas, Ruggero Deodato (futuro diretor do polêmico Cannibal Holocaust/79) com Live Like a Cop, Die Like a Man (Uomini si nasce, poliziotti si Muore/76) com Ray Lovelock e Marc Porel, Ferdinando Baldi com The Sicilian Connection (Afyo oppio/72) com Ben Gazzara em início de carreira, o alemão Rolf Olsen com o obnóxio chucrute Bloody Friday (Blutiger Freitag/72) – provando que o gênero já não mais se limitava ao sucesso em território natal ou ainda norte-americano, Damiano Damiani com o burocrático e politicamente crítico Confessions of a Police Captain (Confessione di um commissario di polizia al procuratore della Repubblica/71) com Franco Nero e Martin Balsam e Michele Massimo Tarantino com a dobradinha The Crime Busters (Poliziotti violenti/76) estrelado por Henry Silva e Antonio Sabato e A Man Called Magnum (Napoli si ribella/77) com o prolífero ator francês Luc Merenda.Nessa onda de assaltos, seqüestros, perseguições e ofensivas violentas por parte da polícia valia tudo:
. Delinqüentes em fuga barbarizando geral (Young, Violent, Dangerous/76 de Romolo Guerrieri, Terror in Rome/75 de Sergio Grieco e Day of Violence/77 de Luigi Petrini).
. O nascimento da máfia carcamana e a expansão de seu território na década de 20/30 (1931: Once Upon a Time in New York/71 de Luigi Vanzi, Borsalino/70 e Borsalino and Co./74 – ambas produções francesas de Jacques Deray com o sex-symbol Alain Delon, Lady Dynamite/73 de Giuseppe Vari com uma protagonista casca-dura feminina (!) e o tardio clássico Once Upon a Time in América/84 - último filme de Sergio Leone produzido na América).
. Guerras civis entre gangues rivais contrabandistas ou a máfia dos sindicatos (Contraband/80 de Lucio Fulci num dos mais gores e violentos filmes do gênero e Syndicate Sadists/76 de Umberto Lenzi e com Tomas Milian encarnando um personagem chamado Rambo meia década antes mesmo de Stallone).
. Mafiosos e inocentes torturados e transformados em pedras de sabão (The Caudron of Death/73 de Tulio Demicheli), drogas contrabandeadas dentro de cadáveres (Defeat of the Máfia/70 de Píer Paolo Capponi e Cry of a Prostitute/74 de Andréa Bianchi) e até violentos guarda-costas particulares numa cruzada violenta por vingança (Go, Gorilla!/76 de Tonino Valerii).
A lista felizmente é grande e os resultados como não poderiam deixar de ser, variavam do insignificantemente medíocre e oportunista ao clássico imbatível da ação e pancadaria.Muitas vezes o gênero flertava com outros sub-gêneros paralelos como o Assault & Robbering (Grand Slam/67 e Machine Gun McCain/70 ambos de Giuliano Montaldo, The Master Touch/72 de Michele Lupo, 4 Billions in 4 Minutes/76 de Gianni Siragusa, The Blue Eyed Bandit/82 de Alfredo Giannetti, The Rip Off/84 de Antonio Margheriti) – influências diretas da série sessentista Impossible Mission e dos sucessos comerciais do francês Riffi (Du Rififi Chez Les Hommes/55) de Jules Dassin e Ocean´s Eleven (Idem/60) de Lewis Milestone dando ainda mais profundidade à trama mas freando substancialmente na ação e corre-corre tradicional.
Solucionando a dificuldade na identificação dos gêneros e sub-gêneros convencionou-se então muitas vezes a utilização da definição Euro-Crime às produções italianas policiais realizadas dentre as décadas de 60 (em especial a dos anos 70) e 80, abraçando desde obras que beiravam o Giallo às imitações napolitanas dos filmes de ação de Clint Eastwood e Charles Bronson.
Por sorte, muitos títulos obscuros vêm sendo recuperados e relançados em versões digitais nos dias correntes principalmente pelas norte-americanas Blue Underground, No Shame e Wild East, surpreendendo o mais “hardcore” entusiasta do gênero - não raras vezes em lançamentos com extras inimagináveis (entrevistas, linhas de áudio, documentários, trilhas adicionais, etc), qualidade cristalina e mantendo os enquadramentos originais (Widescreen).
Abaixo uma pequena relação de links sobre o gênero e as obras que transformaram o cinema italiano em um bandido armado e perigoso prestes a assaltar pobres mentes incautas e meramente corruptíveis.
http://www.pollanetsquad.it/
http://www.blue-underground.com/
http://www.wildeast.net/
http://www.noshamefilmes.com/
http://xploitedcinema.com/catalog/euro-crime-c-25_12.html
http://www.trash-online.com/dvd-r/dvd-rITALO-CRIME.htm
http://www.asalaproibida.blogspot.com/
http://cineitalia.net/
sábado, 11 de agosto de 2007
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